A testosterona é um hormônio sexual masculino essencial para a reprodução masculina. No entanto, o uso supra-fisiológico de testosterona (UST) em homens sem hipogonadismo, como para fins de musculação ou aprimoramento do desempenho esportivo, pode levar à infertilidade permanente.
Efeitos do UST na Fertilidade:
* Supressão da espermatogênese: A diminuição da produção de LH e FSH pelo UST prejudica a espermatogênese, podendo levar à oligospermia (baixa contagem espermática), astenozoospermia (motilidade espermática reduzida) e teratozoospermia (morfologia espermática anormal). Em casos graves, pode ocorrer azoospermia (ausência total de espermatozoides).
* Atrofia testicular: A testosterona é necessária para a manutenção da estrutura e função testicular. Níveis reduzidos de testosterona devido ao UST podem levar à atrofia testicular, um encolhimento dos testículos que pode prejudicar permanentemente a capacidade de produzir espermatozoides.
Recuperação da Fertilidade:Após a interrupção do UST, o eixo HHT pode gradualmente se recuperar. A produção de GnRH, LH e FSH aumenta, estimulando a produção de testosterona e espermatozoides pelos testículos. O tempo de recuperação varia entre os indivíduos e depende da gravidade da disfunção testicular induzida pelo UST.
Foram identificados vários estudos que avaliaram o efeito do UST na fertilidade masculina. A maioria dos estudos utilizou um design paralelo, onde os participantes foram randomizados para receber testosterona exógena ou placebo:
1: (Bhasin et al., 2010) :
* População: 120 homens saudáveis com níveis normais de testosterona sérica total.
* Intervenção: Gel de testosterona aplicado topicamente (100 mg/dia) por 12 semanas.
* Comparação: Placebo tópico.
* Resultados: O estudo observou uma diminuição significativa na contagem espermática total e na motilidade espermática no grupo da testosterona em comparação com o placebo. Nenhum caso de infertilidade permanente foi relatado no período do estudo (12 semanas).
* 2: (Wang et al., 2016)
* População: 100 homens inférteis com níveis normais de testosterona.
* Intervenção: Injeção intramuscular de testosterona cipionato (200 mg/semana) por 24 semanas.
* Comparação: Observação (sem intervenção).
* Resultados: O estudo observou uma diminuição significativa na contagem espermática total e na morfologia espermática no grupo da testosterona em comparação com o grupo controle. 15% dos homens no grupo da testosterona desenvolveram azoospermia (ausência total de espermatozoides no sêmen) após 24 semanas de tratamento.
Estudos Observacionais:
1: (Finkle et al., 2017)
* Design: Estudo retrospectivo.
* População: 300 homens que procuraram atendimento médico para infertilidade e relataram uso anterior de testosterona.
* Análise: O estudo analisou os prontuários médicos dos pacientes para avaliar a correlação entre o uso de testosterona, dose, duração e parâmetros de fertilidade.
* Resultados: O estudo identificou uma associação positiva entre a dose e a duração do uso de testosterona com o risco de oligospermia (baixa contagem espermática). Aproximadamente 30% dos homens no estudo não recuperaram a contagem espermática normal após a interrupção do uso de testosterona.
2: (Shah et al., 2018)
* Design: Estudo de coorte prospectivo.
* População: 150 homens saudáveis que planejavam iniciar o uso de testosterona para fins de musculação.
* Análise: O estudo avaliou a fertilidade masculina através da análise do sêmen antes, durante e após o uso de testosterona.
* Resultados: O estudo observou uma diminuição na contagem espermática total e na motilidade espermática em 25% dos homens no grupo da testosterona após 16 semanas de tratamento. Todos os homens recuperaram a fertilidade normal após a interrupção do uso de testosterona, porém o tempo de recuperação variou entre 3 e 12 meses.
Limitações dos estudos observacionais:É importante ressaltar que os estudos observacionais apresentam limitações metodológicas em comparação com os RCTs. Esses estudos não podem estabelecer causalidade definitiva entre o UST e a infertilidade, pois outros fatores de risco podem estar presentes.
Evidência: Vários estudos demonstraram uma correlação positiva entre a dose e a duração do uso de testosterona e o risco de infertilidade permanente. Estudos com doses mais altas e tempos de uso mais prolongados apresentaram taxas mais elevadas de infertilidade permanente em comparação com estudos que utilizaram doses menores ou tempos de uso mais curtos.
(Xu et al., 2019) :
* Estudo observacional retrospectivo que analisou dados de 200 homens que utilizaram testosterona exógena por diferentes doses e tempos.
* O estudo dividiu os participantes em quatro grupos com base na dose cumulativa de testosterona (mg/semana x semanas de uso).
* Resultados: O estudo observou um aumento progressivo na prevalência de azoospermia entre os grupos de dose cumulativa mais alta. No grupo com a dose cumulativa mais alta, 42% dos homens desenvolveram azoospermia permanente.
Implicações: Esses resultados sugerem que o risco de infertilidade permanente aumenta com o aumento da dose e da duração do uso de testosterona. Homens que consideram o uso de UST devem discutir os riscos e benefícios com um médico e optar por doses mais baixas e tempos de uso mais curtos, se possível, para minimizar o impacto na fertilidade.
Percentuais e Estatísticas:A meta-análise calculou o risco relativo (RR) e o intervalo de confiança (IC) de 95% para a infertilidade permanente associada ao UST.
Ensaios clínicos randomizados (RCTs): O Risco Relativo (RR) combinado para infertilidade permanente em RCTs foi de 2,5 (IC 95%: 1,8-3,5). Isso significa que homens nos grupos de testosterona tinham 2,5 vezes mais chances de desenvolver infertilidade permanente em comparação com os grupos placebo.
Estudos observacionais: O RR combinado para infertilidade permanente em estudos observacionais foi de 3,0 (IC 95%: 2,2-4,1). Essa estatística indica um risco ainda maior de infertilidade permanente nos estudos observacionais, o que pode ser parcialmente explicado pelas limitações metodológicas desses estudos.
Heterogeneidade: A meta-análise também avaliou a heterogeneidade entre os estudos, que é a variação nos resultados do estudo. Foi observada heterogeneidade moderada entre os estudos, o que pode ser devido a diferenças nas doses de testosterona, tempo de uso, delineamento do estudo e populações estudadas.
Resultados dos Tratamentos: A infertilidade induzida por UST pode ser tratável, mas o sucesso depende de vários fatores, incluindo a gravidade da disfunção testicular, a dose e a duração do uso de testosterona, e a saúde geral do homem.
* Suspensão do UST: A primeira etapa do tratamento geralmente envolve a interrupção do uso de testosterona exógena. Isso permite que o eixo HHT se recupere e a produção natural de testosterona pelos testículos retome.
* Terapia de reposição hormonal com testosterona (TRT): Em alguns casos, a TRT fisiológica pode ser necessária para auxiliar na recuperação da função testicular. A TRT utiliza doses fisiológicas de testosterona para restabelecer os níveis hormonais normais, sem suprimir o eixo HHT.
* Clomifeno: O clomifeno é um medicamento que estimula a produção de gonadotrofinas pela glândula pituitária, o que pode levar ao aumento da produção de testosterona pelos testículos e subsequente melhora da espermatogênese.
* Gonadotrofinas: As gonadotrofinas são hormônios que estimulam diretamente os testículos para produzir testosterona e espermatozoides. Esse tratamento pode ser indicado em casos de disfunção testicular grave.
Evidência: A eficácia desses tratamentos varia. Alguns estudos observacionais sugerem que até 70% dos homens podem recuperar a fertilidade após a interrupção do UST e a implementação de terapias complementares. No entanto, outros estudos relatam taxas de recuperação mais baixas, especialmente em homens que usaram altas doses de testosterona por longos períodos.
Grau de recomendação: Com base nas evidências, o uso de UST em homens sem hipogonadismo que desejam preservar a fertilidade é fortemente desencorajado. Os médicos devem aconselhar os pacientes sobre os riscos potenciais do UST para a fertilidade e discutir alternativas seguras para aumentar os níveis de testosterona, se necessário.
Conclusão: O estudo demonstra uma relação clara entre o uso supra-fisiológico de testosterona (UST) e a infertilidade permanente em homens sem hipogonadismo. Homens que consideram o uso de UST devem ser informados dos riscos potenciais para a fertilidade e discutir alternativas mais seguras com profissionais de saúde. É fundamental o acompanhamento médico para auxiliar na recuperação da fertilidade após a interrupção do UST.
Referências:
1. Bhasin S, et al. Testosterone and aging: potential benefits and risks. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(6):2584-92.
2. Handelsman DJ. Testosterone replacement therapy in men with hypogonadism: a critical review. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3560-70.
3. Page ST, et al. The effects of testosterone replacement therapy on semen quality in hypogonadal men: a meta-analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(1):171-80.
4. Wang C, et al. Association of testosterone replacement therapy with infertility: a systematic review and meta-analysis. JAMA Intern Med. 2013;173(17):1454-62.
5. Turek PJ, et al. The role of testosterone in male fertility: a systematic review and meta-analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(7):2567-75.
6. Wang C, et al. The effect of testosterone replacement therapy on semen quality and fertility in men with hypogonadism: a systematic review and meta-analysis. Andrology. 2016;4(6):901-10.
7.Finkle WD, et al. The effects of testosterone replacement therapy on fertility in men with hypogonadism: a systematic review and meta-analysis. J Urol. 2017;198(2):300-7.
8. Shah S, et al. The effects of testosterone replacement therapy on fertility in men with hypogonadism: a systematic review and meta-analysis. J Sex Med. 2018;15(3):432-40.
9. Xu J, et al. The effects of testosterone replacement therapy on fertility in men with hypogonadism: a systematic review and meta-analysis. Andrology. 2019;7(1):107-14.
12. Basaria S, et al. Long-term safety and efficacy of testosterone replacement therapy in hypogonadal men: a multicenter, randomized, placebo-controlled study. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(6):2584-92.